O que vem do AR desta vez

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«A cinematografia, assim como a cultura, não se revela nacional pelo mero facto de se localizar em determinado perímetro geográfico mas sim quando responde às necessidades de liberação e desenvolvimento de cada povo.»

Octavio Getino e Fernando E. Solanas, Hacia un tercer cine, 1969

 

O que vem do AR desta vez.

Na segunda edição deste festival dedicado ao novo cinema argentino descobriremos relatos de um quotidiano urbano, campestre ou mesmo fantástico que revelam de forma incisiva várias questões políticas, económicas e sociais que emergem da sociedade contemporânea. Uma poética do atual cinema argentino.

Trata-se de um panorama recente de dez longas-metragens inéditas, oito ficções e dois documentários, assim como quatro curtas-metragens.

Na ficção, o protagonismo feminino é assinável.  Retratos precisos e desafiadores que caminham por entre dilemas éticos, mandatos sociais e marginalidade – Paulina, Santiago Mitre (prémio Fipresci em Cannes 2015); ou Paula, uma primeira obra de Eugenio Canevari (San Sebastián 2015); Mi Amiga del Parque, de Ana Katz (prémio melhor argumento no Festival de Sundance 2016), La Mujer de los Perros, de Verónica Llinás e Laura Citarella, apresentada em Roterdão 2015.

A fragilidade e os vínculos humanos são explorados tanto no road movie de Francisco Varone (estreado em Busan 2015) Camino a la Paz, através da diferença cultural e geracional, como na explosão íntima de El Incendio, a terceira longa-metragem de Juan Schnitzman (Berlin 2015), que nos emerge num pujante mergulho na vida de um jovem casal.

As propostas mais radicais surgem de incursões no passado e no futuro. El Movimiento, de Benjamin Naishtat (encomenda de Jeonju 2015, estreado em Locarno), aborda a violenta fundação da nação argentina e Parabellum, de Lukas Valenta Rinner (Roterdão 2015), um devaneio apocalíptico numa selva subtropical nas redondezas de Buenos Aires.

No campo das curtas-metragens constroem-se admiráveis mundos sui generis com uma profundidade invulgar neste formato. Personagens fantásticas que bem poderiam ser inventadas mas também reais.

A palavra escrita é o motor central nos dois documentários que se apresentam. Com circunstâncias espaciais e temporais contrastantes, poderemos entrar no submundo dos grafites de campanha eleitoral, Cuerpo de Letra, de Julián D’Angiolillo (Viennale 2015), e acompanhar em 327 Cuadernos, de Andrés di Tella, a releitura do escritor Ricardo Piglia da sua própria existência, através do diário íntimo que escreveu ao longo de 40 anos (San Sebastián 2015).

A intimidade revela-se política, a vida desborda a política, o cinema (vivo) não é mais que política. O cinema argentino está vivo e respira-se no cinema São Jorge, de 29 de junho a 3 de Julho.